quarta-feira, 14 de maio de 2008

Aprendo a rezar com os pés

«Caminham em filas ao lado das estradas nacionais, por trilhos de terra batida, atravessando pequenos povoados que antes desconheciam, cruzando horas e horas a paisagem de giestas e silêncio. Têm em português um nome que deriva de uma forma latina: Per ager, que significa "através dos campos"; ou Per eger, "para lá das fronteiras". Definem-se, assim, por uma extraterritorialidade simbólica que os faz, momentaneamente, viver sem cidade e sem morada. Experimentam uma espécie de nomadismo: não se demoram em parte alguma, comem ao sabor da própria jornada, dormem aqui e ali. Num tempo ferozmente cioso da produção e do consumo, eles são um elogio da frugalidade e do dom. Relativizam a prisão de comodismos, necessidades, fatalismos e desculpas. E o seu coração abre-se à revelação de um sentido maior.
A verdade é que é difícil ter uma vida interior de qualidade, se nem vida se tem, no atropelo de um quotidiano que devora tudo. Na saturação das imagens que nos são impostas, vamos perdendo a capacidade de ver. No excesso de informação e de palavra, esquecemos a arte de ouvir e comunicar vida. Damos por nós, e há, à nossa volta, um deserto sem resposta que cresce. E quando nos voltamos para Deus, parece que não sabemos rezar.
Estes peregrinos que tornam a encher as estradas de Fátima (mas também de Santiago, de Chartres, do Loreto.) assinalam-nos o dever de buscar a estrada luminosa da própria vida. Já não separam a existência por gavetas estanques, mas o seu corpo e a sua alma respiram em uníssono. A oração torna-se natural como uma conversa, e as conversas enchem-se de profundidade, de atenção, de sorrisos. A parte mais importante dos quilómetros que percorrem não está em nenhum mapa: eles caminham para um centro invisível onde pode acontecer o encontro e o renascimento.
Queria dedicar este texto a um amigo que, neste mês de Maio, fez a sua primeira peregrinação. A meio do caminho enviou-me uma mensagem a dizer: «Aprendo a rezar com os pés».

José Tolentino Mendonça”

 

É com muita saudade que recordo as duas primeiras peregrinações que fiz a Pé a Fátima. :)

Tinha 16, na primeira, e 17, na segunda. Foram 111 Km em 4 dias, com mais 17 amigos e conhecidos.

Não foi a primeira vez que consegui sentir a presença de Deus em mim.

Mas foi a primeira vez que consegui sentir que Ele estava e permanecia presente em mim, em cada passo do meu caminho.

Senti que Ele saboreava comigo as gotas de chuva a escorrer pelo meu cabelo e pela minha cara.

Que Ele sentia comigo o frio que eu sentia.

Que Ele se deliciava comigo com os cantos dos pássaros que nos acompanhavam no caminho.

Senti verdadeiramente, com Ele, o significado do serviço ao outro, ao experimentar uma imensa alegria por reduzir a velocidade da minha passada apenas para acompanhar alguém a quem já custava tanto andar.

 

Também eu, nessas duas peregrinações, aprendi a rezar com os pés.

 

 

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