quarta-feira, 10 de setembro de 2008

De braços abertos

«           Custa-me muito aceitar que a cruz seja consequência do amor com que procuro viver. Se é amor, se vivo assim para uma felicidade maior, porquê esse "preço" assinalado por dois traços cruzados? Associada ao sofrimento, às dificuldades que surgem de onde menos esperamos, aos problemas irresolúveis, a cruz evoca uma negatividade e derrota da qual apetece fugir. Não é imediato vê-la como consequência de uma fidelidade e como ponte que tem de se atravessar para ir mais além. Parece sempre mais pesada do que as minhas forças, maior do que a largura dos meus braços!

           Olho para Jesus na cruz. São incontáveis as representações que a arte tão maravilhosamente nos oferece. Como se desejasse reproduzir cada homem e mulher na sua cruz. Angustiados e sofredores, serenos ou quase ressuscitados, as imagens do corpo de Jesus na cruz são a história de todos nós. Com Ele abrimos os braços à vida com sinal "mais" e assumimos as consequências. Mas é tão difícil viver de braços abertos, reproduzindo no próprio corpo este "mais" que é a vida em abundância. Possuir, agarrar, acumular, dominar, tornam-se muito mais sedutores e prazenteiros do que este movimento de abraçar e libertar. Recebemos vida para podermos, de novo, dá-la. Como faz o coração que recebe o sangue e de novo o envia a todo o corpo.

           Seremos, então, "mais", quanto menos "donos" nos sentirmos. Nem de coisas, muito menos de pessoas, nem dos projectos que é preciso fazer mas que, quando são importantes, poderão realizar-se de muitos outros modos. O sonho e a vontade de construir um mundo segundo o sonho de Deus implica coragem e humildade. Coragem para lutar por tudo o é "mais" para a humanidade, humildade para aprender com os outros e com os erros. A fidelidade de Jesus é modelo para a nossa. Não é isenta de aflição nem de dor mas é repleta de confiança. É uma fidelidade ao Pai e aos irmãos que se traduziu nesse "viver de braços abertos" que a cruz irá manifestar para sempre. Como se fosse preciso pregar num madeiro aquilo que é a sua vida connosco!

           Não inventemos cruzes que não são porta de ressurreição, não condenemos à cruz de vidas miseráveis tantos pobres ou quem errou, não usemos a cruz para justificar o que Deus não quer. E para isso ser possível, não é preciso assumir o risco, como Jesus, de "viver de braços abertos"?»
 

por P. Vítor Gonçalves

 

EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ     Ano A

"Também o Filho do homem será elevado"

Jo 3, 14

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